por Milton Shintaku e Rosilene Paiva Marinho de Sousa
A informação governamental faz parte da vida dos cidadãos, mas nem sempre esse tema é foco da Ciência da Informação (CI) em suas pesquisas, principalmente em comparação com a informação científica, que é linha de pesquisa por meio de estudos em comunicação científica. Nesse sentido, por ser parte da vida cotidiana, a informação de governo torna-se fonte promissora de pesquisa na área da ciência da informação, com a interdisciplinaridade necessária para os seus estudos.
Fonte: Banco de imagens Wix (2021)
Em se tratando das formas de governo, da organização e do funcionamento do poder estatal, a democracia surge na perspectiva de participação do povo. Para compreender suas raízes, deve-se conduzir ao entendimento sobre o interesse da história da participação popular e da razão pública. Nessa perspectiva, Sousa e Vasconcelos (2018, p. 299) esclarecem que “as formas de convivência social são marcadas pela necessidade de um indivíduo efetivar escolhas”. A organização de grupos humanos ocorre em face de múltiplos fatores que atuam sobre os comportamentos sociais. Nesse processo, exige-se a busca de informações cada vez mais refinadas, de modo que suas escolhas, diretamente relacionadas ao acesso à informação, beneficiam as tomadas de decisões.
Pode-se afirmar que formas de governo são intrínsecas ao ser humano como um ser social e, de certa forma, ligam-se à sua informação. Entretanto, com o surgimento da Web, seus portais e serviços, a informação de governo passou a estar mais presente na vida de muitas pessoas. Com os dispositivos móveis expandiu-se mais a interação dos usuários com a informação governamental, muito por meio dos serviços governamentais ofertados.
Fazendo a analogia com a informação científica, a informação governamental é resultado da comunicação governamental, mas requer conceituações. O primeiro ponto é uma questão lexical, que possibilita dois termos, um flexionado e outro preposicionado, “Informação Governamental” e “Informação de Governo”, respectivamente, de modo que o primeiro termo é preferencial, e o segundo, o Vocabulário Controlado da Rede Virtual de Bibliotecas (RVBI), composto por bibliotecas governamentais capitaneadas pela Biblioteca do Senado. Logo, no presente estudo, o termo utilizado será “Informação Governamental”. Corrobora tal entendimento uma busca simples, por meio do Google Acadêmico com os dois termos, onde se mostra a preferência dos acadêmicos pelo termo flexionado.
A escolha do termo “informação governamental” se sustenta no princípio da economia linguística, que se baseia no menor esforço, visto que o termo tem uma quantidade menor de elementos. Assim, como argumenta Correia (1995), a língua tende a se tornar mais simples pela eliminação de redundâncias, pois selecionam-se unidades lexicais que promovem menor esforço.
Determinado o termo, passa-se para as suas definições. Nesse ponto, Cruz (2013) relata que a informação governamental é produzida ou recebida pela administração pública, sendo tratada, acumulada e gerida por seus profissionais, se materializando nos documentos governamentais. Como consequência, torna-se um bem público, e o seu acesso ampara-se em instrumentos legais, reservados às questões previamente dispostas.
Além disso, Silva, Ottonicar e Yafushi (2017) defendem que a cidadania tem início com o acesso à informação de governo, que busca fortalecer a democracia pela transparência. Nesse sentido, os autores reforçam o papel da competência informacional como instrumento de promoção à participação social, contribuindo com a percepção, avaliação crítica e outros.
Já para dar acesso à informação governamental são necessários sistemas de informação que atendam às especificidades do governo, envolvendo o governo eletrônico. Entretanto, como descrevem Jardim e Almeida (2012), mesmo que as iniciativas do e-Gov tenham se iniciado no início dos anos 2000, ainda ocorrem problemas devido à falta da gestão informacional no governo e à carência de infraestrutura tecnológica no país, o que afeta parte da população no acesso às tecnologias.
No âmbito da gestão da informação, Malin (2006) relata que a informação governamental trata-se de um instrumento de apoio às ações do governo, e buscam auxiliar na sua efetividade. Segundo a autora, a gestão da informação governamental é a aplicação dos princípios da gestão da informação à administração pública, por meio de sua documentação, cabendo destacar que a documentação governamental tem raízes na constituição do Estado.
Quanto à economia da informação, Guerra e Massensini (2012) defendem que, no capitalismo informacional, a informação é negociável no mundo globalizado, incluindo a informação governamental. Nesse sentido, González de Gómez (2002) relata que o estado apresenta certas vantagens sobre as informações governamentais, com apoio do e-Gov, em um cenário de governança informacional, com destaque para a comunicação.
A relevância do acesso à informação no processo democrático põe em evidência a maneira como tal acesso pode ser realizado. O acesso à informação diz respeito à ampliação das liberdades democráticas, conduzindo, por sua vez, ao desenvolvimento. Amartya Sen (2007, p. 16-17) esclarece que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades e que o desenvolvimento remove as principais fontes de sua privação, isto é, “a pobreza, a carência de oportunidade econômica e destituição social sistemática, a negligência dos serviços públicos e a intolerância ou interferência excessiva de estados repressivos”.
O referido autor expõe cinco tipos de liberdades que podem ser vistas numa perspectiva instrumental, a saber, as liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantia de transparência e segurança protetora, evidenciando que cada uma delas ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa. E, considerando a liberdade na perspectiva do desenvolvimento, deve-se ir além da acumulação de riquezas e crescimento do Produto Nacional Bruto, permitindo-se que a humanidade se socialize completamente, suprindo suas necessidades, interagindo e influenciando o mundo.
Nesse contexto, a Ciência da Informação tem papel indispensável para o reconhecimento e ampliação das liberdades democráticas. Por meio das várias vertentes de estudo da Ciência da informação, torna-se possível evidenciar a ideia de que as fontes de informação e meios de acesso a informações governamentais precisam estar à disposição da sociedade. Consequentemente, segundo Amartya Sen (2011), torna-se possível a conversão do acesso e o uso em instrumentos de democracia participativa, envolvendo a participação política, o diálogo e a interação pública.
Referências
CORREIA, Margarita. O léxico na economia da língua. Ciência da Informação, Brasília, v. 24, n. 3, dez. 1995. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/568/569. Acesso em: 08 out. 2021.
CRUZ, Emília Barroso. Direito à informação governamental: questões acerca da positividade e legitimação de um direito fundamental. Liinc em revista, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 370-382, nov. 2013. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3442/3005. Acesso em: 08 out. 2021.
GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da informação, Brasília, v. 31, n. 1, p. 27-40, abr. 2002. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975. Acesso em: 08 out. 2021.
GUERRA, Fernando; MASSENSINI, Rogério Luís. Políticas de informação em tempos de governo eletrônico: um estudo preliminar sobre a governança informacional no estado de Minas Gerais. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-124, 2012. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/incid/article/view/42373. Acesso em: 08 out. 2021.
MALIN, Ana Maria Barcellos. Gestão da informação governamental: em direção a uma metodologia de avaliação. DataGramaZero, v. 7, n. 5, 2006. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/5957. Acesso em 08 out. 2021.
SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
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SILVA, Rafaela Carolina; OTTONICAR, Selma Letícia Capinzaiki; YAFUSHI, Cristiana Aparecida Portero. A Competência em Informação e Midiática Voltada à Cidadania: o uso da informação governamental para a participação na democracia. RDBCI: Revista Digital da Biblioteconomia e Ciência da Informação. Campinas, SP v.15, n.3, p.604-628, set./dez. 2017.
SOUSA, Rosilene Paiva Marinho; VASCONCELOS, Fernando Antônio de. A teoria da escolha social na consolidação do acesso à internet como instrumento para garantia de direitos fundamentais do cidadão. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, 9., 2018, Quito. Anais [...]. Florianópolis: CONPEDI, 2018.
Sobre os autores
Milton Shintaku é mestre e doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB), coordenador de tecnologia para Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).
E-mail: shintaku@ibict.br
Rosilene Paiva Marinho de Sousa é mestre e doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB, mestre em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa- UNIPÊ e Professora do Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).
adv.rpmarinho@gmail.com
Como citar
SHITAKU, M.; SOUSA, R. P. M. Vamos conversar sobre informação governamental? Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 2, n. 10, 15 out. 2021.
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