por Marcela Lino da Silva** e Raimundo Nonato Macedo dos Santos***
A Ciência Aberta é uma prática científica com fins de estruturar e viabilizar interações e relações contínuas entre pesquisadores das mais diversas áreas de conhecimento, como também entre pessoas e grupos interessados em temáticas discutidas no âmbito científico-acadêmico. Pensar sob essa perspectiva expõe os mais recentes debates da contemporaneidade no que se refere a fazer ciência, sua essência e suas necessidades de produzir conhecimento de maneira rápida e eficiente.
Nessa perspectiva de abertura e colaboração entre os sujeitos, também estão os cadernos abertos de laboratório, que são os primeiros registros de pesquisa disponíveis a todos durante todo o tempo. Pode-se dizer que é uma prática de universalização dos dados científicos, organizados, compartilhados, acessíveis e suscetíveis a contribuições. É uma página científica para o mundo acompanhar, em tempo real, o que está sendo feito e sobre o quê. O objetivo é o reuso, a redistribuição, a reprodução e a acessibilidade a todos os grupos da sociedade (ALBAGLI; CLINIO; RAYCHTOCK, 2014; SILVA; SILVEIRA, 2019; FOSTER, 2021).
Para conhecer os temas convergentes a essas discussões, a Foster – projeto financiado pela União Europeia, realizado por 11 parceiros em 6 países – apresenta uma taxonomia (https://www.fosteropenscience.eu/foster-taxonomy/open-science-definition) com os eixos temáticos relacionados ao domínio da Ciência Aberta:
Figura 1: Taxonomia da Ciência Aberta
Fonte: Pontika e Knoth (2015)
Observando essa miríade de temas relacionados à Ciência Aberta, quais seriam os maiores desafios para essa prática? É difícil ser assertivo. Entretanto, as investigações e debates devem seguir, cada uma no seu eixo, mas todas relacionadas, afinal essa é a proposta desse novo fazer científico: interação, colaboração. Nessa expectativa, conhecimento é sinônimo de compartilhamento, acesso, contribuição, diálogo, compreensão e construção.
Essas ideias vão ao encontro do pensamento do filósofo, antropólogo e sociólogo Edgar Morin, se pensarmos a Ciência Aberta como uma estrutura teórica e prática de consolidação para o desenvolvimento de uma cultura inclinada a compartilhar conhecimento. Morin (2006) destaca a característica disjuntiva e fragmentada da ciência, mas, sobretudo, reconhece o conhecimento como um tecido, constituído de elementos heterogêneos, indissociáveis e imbuídos em ações, retroações, incertezas, desordens e acasos.
Segundo o pensamento complexo, proposto por Edgar Morin, a partir das mudanças significativas decorrentes dos avanços tecnológicos no século XX, é urgente olhar a ciência sob as lentes da complexidade, que devem ser enfrentadas, compartilhadas, reorganizadas por pensamentos múltiplos e interdependentes que convergem às necessidades evidentes apresentadas pelo século XXI: a unidade da ciência. É a construção de um ecossistema que faz os sujeitos refletirem criticamente sobre seus objetos, ambientes, teorias e pontos de vistas, desnudando-se ao olhar externo e conscientizando-se de que, assim, pode haver resultados ainda mais prósperos.
Tendências de pesquisa sobre Cadernos Abertos de Laboratório: desafios e vantagens
A temática “Open Lab/Notebooks” (cadernos abertos de laboratório) faz parte do eixo “Open Reproducible Research” (Pesquisa Reproduzível Aberta), na taxonomia da Foster. Os estudos publicados sobre esse tema específico podem sinalizar uma melhor compreensão acerca do comportamento dos pesquisadores e a sua motivação ou resistência para o compartilhamento dos dados científicos. É preciso entender esse processo para estimular que os cadernos de laboratório se tornem, efetivamente, cadernos abertos.
Fonte: Foster (2021)
Em levantamento de artigos na Web of Science e Scopus, os desafios para a adoção dos cadernos abertos de laboratório se mostram relacionados ao reconhecimento da importância interdisciplinar e da relação com a sociedade, uma vez que a comunidade científica ainda se mostra incipiente em ações dessa natureza. A multiplicidade de recursos e soluções para a prática dos Open Lab/Notebooks também torna os caminhos dos pesquisadores mais difíceis, visto que eles não sabem quais recursos são os mais interessantes para uso. Outros obstáculos evidentes são a falta de tempo para aprender uma nova dinâmica de fazer ciência, a preocupação com direitos autorais e sigilo de dados, a qualificação dos usuários para essa prática de maneira eficiente, a falta de incentivo institucional e governamental, além da inexperiência de como mensurar os impactos que a adoção dessa prática pode causar.
Já as vantagens se relacionam com a certificação para estudos validados como reproduzíveis, capacitação científica dos envolvidos na pesquisa e disposição para adotar uma linguagem acessível, facilitando o entendimento de um público mais amplo. Outro ponto proeminente é a percepção de que a adoção dos cadernos abertos de laboratório pode resultar em um maior estímulo nas discussões científicas por meio das plataformas abertas. Também como vantagem, está a grande disponibilidade de ferramentas tecnológicas que permitem a construção de portais de pesquisas para o compartilhamento de dados científicos.
Entre os desafios e vantagens, evidencia-se a ênfase nas questões técnicas em detrimento de discussões sobre como estimular o comportamento dos pesquisadores à prática da Ciência Aberta por meio dos cadernos de laboratório. Entretanto, ainda que discretamente, há sinalização para uma postura convergente ao que Morin (2006) defende com a Teoria da Complexidade, que é o entendimento de que a interdisciplinaridade e as relações sociais são necessárias. Além disso, as estruturas de apoio devem ser construídas sob vários aspectos, sobretudo o cultural, envolto em todos os elementos que constituem e fomentam a prática científica. Contudo, ainda há muito o que se investigar sobre as motivações e resistências para essa mudança de pensamento e transformação do fazer ciência.
Referências
ALBAGLI, S.; CLINIO, A.; RAYCHTOCK, S. Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, v. 10, n. 2, 5 dez. 2014. DOI: https://doi.org/10.18617/liinc.v10i2.749
FOSTER. Foster, 2021. Plataforma de e-learning que reúne os melhores recursos de treinamento dirigidos a quem precisa saber mais sobre Open Science. Disponível em: https://www.fosteropenscience.eu/.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.
PONTIKA, N.; KNOTH, P. Open Science Taxonomy. figshare. 2015. Figure. Disponível em: https://doi.org/10.6084/m9.figshare.1508606.v3. Acesso em: 6 fev. 2022.
SILVA, F. C. C.; SILVEIRA, L. O ecossistema da Ciência Aberta. Transinformação, Campinas, v. 31, e190001, 2019. https://doi.org/10.1590/2318-0889201931e190001.
Notas
* Esta comunicação é uma síntese da pesquisa apresentada na 12ª Conferência Luso-Brasileira de Ciência Aberta (ConfOA 2021) e é uma contribuição ao Canal Ciência da Informação Express.
Dados biográficos dos autores
** Doutoranda e Mestra em Ciência da Informação (2016), pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI/UFPE), e Bacharela em Gestão da Informação (2014), pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Também é Bacharela em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo (2008), pela Faculdade Maurício de Nassau. Tem interesse nas pesquisas sobre Teoria da Complexidade, Relações Disciplinares e Ciência Aberta/Dados Abertos. Atualmente, está credenciada como Especialista para Avaliação de Projetos em Economia 4.0 (IFES/MEC), é Professora Substituta no Departamento de Ciência da Informação da UFPE e faz parte dos grupos de pesquisa Scientia (UFPE) e Laboratório de Tecnologias Informacionais e Inclusão Sociodigital - LTI Digital (UFBA). Para mais informações, acessar CV: http://lattes.cnpq.br/9462531941412502
*** Doutor e Mestre em Information Stratégique Et Critique Veille Technol pela Université Paul Cézanne Aix Marseille III. Professor Associado III da Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em Teoria Geral da Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: Ciência da Informação, Bibliometria, Cientometria, Estudos Métricos, Comunicação Científica e Institucionalização da Pesquisa Científica. Na Pós-Graduação, é docente credenciado como orientador e pesquisador, atuando na linha de pesquisa Comunicação e Visualização da Informação do Programa de Ciência da Informação (PPGCI) da UFPE. Como Pesquisador, atua nos Grupos de Pesquisa SCIENTIA (líder deste grupo desde 2006); Informação Científica: gestão e tecnologia (INFOCIENT) (membro desde 2013); Laboratório de Pesquisa em Informação e Informática em Saúde (LAPIIS), (membro desde 2012); Fundamentos Teóricos e Epistemológicos da Informação, (membro desde 2013). Para mais informações, acessar CV: http://lattes.cnpq.br/2595121603577953.
Como citar:
SILVA, M. L.; SANTOS, R. N. M. Ciência Aberta e Complexidade: apontamentos para adoção dos cadernos abertos de laboratório. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 3, n. 2, 10 fev. 2022.
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