por Nivaldo Calixto Ribeiro, Juliana Fachin, Priscila Sena, Lúcia da Silveira, Dalgiza Andrade Oliveira
Nas últimas décadas, o sistema de comunicação científica tem experimentado formas inovadoras de fazer ciência, já que os avanços tecnológicos se inserem nos processos e modificam a cultura do pesquisador no ciclo de investigação e publicação da pesquisa, introduzindo novos recursos que visam dar mais transparência, credibilidade, possibilidade de replicação, reutilização e reprodução da pesquisa. Esse fenômeno de transição recebeu o nome, pela comunidade científica, de Ciência Aberta.
Fonte: Banco de imagens Wix (2022)
Ciência Aberta é um termo guarda-chuva, que envolve múltiplos níveis e escopos de abertura, remetendo tanto ao sistema pragmático, no sentido de permitir maior dinamismo às atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), quanto ao democrático, no sentido de permitir maior abertura e participação da sociedade (ALBAGLI; APPEL; MACIEl, 2014). A Ciência Aberta se apresenta em desenvolvimento contínuo, como um ecossistema que vai englobando distintas e independentes perspectivas com suas singularidades, contudo inter-relacionadas (SILVEIRA et al., 2021).
Naturalmente, as mudanças no cotidiano dos pesquisadores trouxeram conflitos, gerados com a forma convencional de desenvolver ciência. E essa transição de cultura necessitou de lideranças para promover a Ciência Aberta. Esse papel em algumas pesquisas tem sido mencionado como Evangelistas da Ciência Aberta, normalmente associado aos ativistas e defensores da Ciência Aberta (GERBER, 2014; CLÍNIO, 2015; 2019; 2021; HERSH, 2017; SANTANA, 2017, GOTZ, 2019; HARP-RUSHING, 2020; BAKER; MAYERNIK, 2020). Mas o que é ser evangelista da Ciência Aberta?
O termo evangelizar, entre outros significados, refere-se a pregar, preconizar, aconselhar, recomendar, propor uma ideia, anunciar e publicar a mensagem (COBLIM, 2014), ou ainda, tem o mesmo sentido que educar (MESQUITA, 2001). Nesse contexto, o evangelista pode estar relacionado ao sentido de apóstolo, missionário, pregador, profeta, mestre e/ou propagador, ou aquele que anuncia. Uma das diferenças entre o evangelista religioso e o científico é que o produto de disseminação do conhecimento, o evangelho é praticamente imutável, já a Ciência Aberta é um fenômeno em construção. Por isso a necessidade de ter pessoas liderando, fomentando, acompanhando as mudanças e divulgando as práticas para que esse novo modelo de fazer ciência se torne comum e seja uma realidade na vida cotidiana dos pesquisadores.
Logo, neste caso, entende-se que os Evangelistas são aqueles que disseminam a informação sobre a Ciência Aberta e defendem suas práticas e ações. No entanto, percebe-se que muitos desses autores não são apenas aqueles que divulgam a Ciência Aberta, e sim, se propõem a praticar nos níveis e possibilidades que cada pesquisador possui. São produtores de conteúdo ou investigação sobre a temática, podendo ser influenciadores de comunidades ou políticas institucionais.
Os Evangelistas da Ciência Aberta adotam a tese de que a sua abertura impulsiona a qualidade e a velocidade da disseminação da informação e, consequentemente, promove o progresso mais rápido e eficiente da ciência, considerando a produção de conhecimento, a inovação e a solução de grandes dificuldades enfrentadas pela sociedade (CLÍNIO, 2019). Alegam que abrir o processo científico pode acelerar e melhorar a qualidade científica (CLÍNIO, 2015; 2019; 2021). Nielsen (2011), um dos ativistas da Ciência Aberta, expôs que a forma como as pesquisas e as inovações acontecem mudaria mais rápido nos próximos anos do que mudou nos últimos três séculos. Entretanto, Delfanti e Pitrelli (2015), pouco tempo depois, entendiam que alguns ativistas da Ciência Aberta pareciam intrigados com o ritmo lento de mudanças no ambiente científico, uma vez que davam como certo que “a ciência quer ser aberta”.
A título de exemplo e, em defesa da Ciência Aberta, destaca-se a atitude da comunidade de cientistas e dos editores de revistas ao redor do mundo, quando foi solicitado pelas entidades de saúde, o compartilhamento de materiais de aporte para a pesquisas, disponibilizando dados, publicações e outros recursos restritos por taxas que, sem embargos puderam ser usados para o melhor entendimento e o combate à emergência sanitária global, provocada pelo novo Coronavírus (Covid-19).
No esforço de lidar com o vírus e fornecer os tratamentos mais eficazes e, principalmente, encontrar uma vacina, esse movimento comprova o que os Evangelistas da Ciência Aberta defendem: que a pesquisa desenvolvida em acesso aberto, de forma colaborativa e transparente, facilita o compartilhamento e a divulgação dos processos e resultados, o que mostrou ser a forma mais eficiente de promover o avanço da ciência, a geração e disseminação de novo conhecimento (RODRIGUES, 2020).
A pandemia da Covid-19 pode ser considerada um marco para a Ciência Aberta. Observando-se avanços reais no compartilhamento de dados científicos, barreiras caíram quando os principais grupos de publicação científica – como Elsevier, Springer Nature e Wiley – abriram acesso a milhares de artigos de pesquisa. Isso permitiu que cientistas de todo o mundo os lessem, acompanhassem os avanços da pesquisa e, assim, acelerassem seu trabalho (BOUKACEM-ZEGHMOURI, 2021).
Além disso, a Covid-19 influenciou na aceitação de práticas de Ciência Aberta, originadas na década de 1990 pela área da física, como no caso da publicação rápida, também conhecida como preprint. Esse tipo de publicação para algumas áreas do conhecimento era pouco recomendada e usada, devido a fatores de qualidade de publicação, mas que em meio a necessidade de sobrevivência da sociedade, essa questão foi pausada, para dar vazão às descobertas e troca de experiências de forma rápida. Outras práticas foram persistentes nesse processo de desenvolvimento da comunicação científica aberta, como é o caso dos cadernos abertos de pesquisa, da avaliação aberta, bem como dar maior ênfase na colaboração entre países com a mesma finalidade, acelerar o acesso, revisar a qualidade, validar pesquisas, e com isso solucionar a crise sanitária, com cuidados preventivos, tratamentos, vacinas etc.
Esse é o exemplo real do que motiva um Evangelista da Ciência Aberta, a defesa do coletivo e do acesso ao conhecimento, pois quando se deixa de lado as fronteiras, as diferenças, e quando o objetivo é o bem maior, é possível sim, fazer ciência sem barreiras, a Covid-19 mostrou que é viável e possível, porém, o caminho é longo até que a ciência possa ser considerada aberta (BOUKACEM-ZEGHMOURI, 2021).
Por fim, os Evangelistas da Ciência Aberta podem ser entendidos como aqueles que apoiam, promovem, defendem, criticam, avaliam os processos e produtos de comunicação científica, desenvolvendo mudanças de atitude, de cultura na comunicação e no desenvolvimento da ciência, ancorada em compromissos e perspectivas: éticas, filosóficas, científicas, sociais, políticas, econômicas, tecnológicas, amparando a inclusão de gênero e de regiões e países menos favorecidos, fazendo com que o conhecimento científico de todos os tipos de pesquisadores, possam ser publicados e que o acesso seja igualmente global, a garantir pesquisas mais eficientes e acessíveis para a sociedade como um todo (SILVEIRA et al., 2021a; 2021b).
REFERÊNCIAS
ALBAGLI, S.; APPEL, A. L.; MACIEL, M. L. E-science, Ciência Aberta e o regime de informação em ciência e tecnologia. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, [S. l.], v. 7, n. 1, p. 1-20, jan./jun. 2014. Disponível em: https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/854/1/124-540-1-PB.pdf. Acesso em: 19 abr. 2021.
BAKER, K. S.; MAYERNIK, M. S. Disentangling knowledge production and data production. Ecosphere, [S. l.], v. 11, n. 7, p. e03191, 2020. DOI: https://doi.org/10.1002/ecs2.3191. Disponível em: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ecs2.3191. Acesso em: 12 abr. 2022.
BOUKACEM-ZEGHMOURI, C. Open science: a global movement catches on. The UNESCO Courier, [S. l.], v. 2021, n. 4, p. 40-43, nov. 2021. DOI: https://doi.org/10.18356/22202293-2021-4-12. Disponível em: https://www.un-ilibrary.org/content/journals/22202293/2021/4/12. Acesso em: 17 mar. 2022.
CLÍNIO, A. Ciência Aberta: cadernos abertos de laboratório. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 2, n. 12, 21 dez. 2021. Disponível em: https://www.cienciadainformacaoexpress.com/post/ci%C3%AAncia-aberta-cadernos-abertos-de-laborat%C3%B3rio. Acesso em: 17 mar. 2022.
CLÍNIO, A. Ciência Aberta na América Latina: duas perspectivas em disputa. Transinformação, Campinas, v. 31, e190028, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/238180889201931e190028. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-37862019000100312&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 17 mar. 2022.
CLÍNIO, A. Por que open notebook science? Uma aproximação às ideias de Jean-Claude Bradley. In. ALBAGLI, S.; MACIEL, M. L.; ABDO, A. (Org.). Ciência Aberta, Questões Abertas. Rio de Janeiro: Ibict, 2015, p. 253-286. Disponível em http://livroaberto.ibict.br/handle/1/1060. Acesso em: 17 mar. 2022.
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HARP-RUSHING, K. R. Fixing Science: innovation, disruption, maintenance, and repair at a North American Open Science Non-Profit. Riverside: University of California, 2020.
HERSH, G. Making Open Access/Open Data/Open Science A Reality. Against the Grain, [S. l.], v. 29, n. 3, Article 43, jun. 2017. DOI: https://doi.org/10.7771/2380-176X.7782
MESQUITA, Z. (Org.). Evangelizar e civilizar: Cartas de Martha Watts, 1881-1908. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2001.
NIELSEN, M. Reinventing discovery: the new era of networked science. Princeton: Princeton University, 2011.
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SILVEIRA, L. et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, [S. l.], v. 26, p. 1-27, 2021. DOI: 10.5007/1518-2924.2021.e79646. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/79646. Acesso em: 17 mar. 2022.
SILVEIRA, L. et al. Novos horizontes da taxonomia da Ciência Aberta: uma perspectiva de pesquisadores brasileiros. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 2, n. 6, 10 jun. 2021. DOI: 10.13140/RG.2.2.28500.53120. Disponível em: https://www.cienciadainformacaoexpress.com/post/novos-horizontes-da-taxonomia-da-ci%C3%AAncia-aberta-uma-perspectiva-de-pesquisadores-brasileiros. Acesso em: 17 mar. 2022.
Dados biográficos dos autores
Nivaldo Calixto Ribeiro é doutorando em Gestão e Organização do Conhecimento pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Administração. Graduação em Biblioteconomia e Especialista em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário de Formiga (2006). Estuda Comunicação científica aberta / Ciência Aberta. Atualmente é bibliotecário-documentalista na Universidade Federal de Lavras.
E-mail: zoopas@gmail.com
Juliana Fachin é doutoranda e mestre em Ciência da Informação/UFSC. Bacharel em Biblioteconomia pela UFSC. Atua nos seguintes temas: Acesso aberto; Sistema de editoração científica SEER/OJS; Sistema de eventos OCS; Publicação e comunicação científica; e Fontes de informação gerais e especializadas. Desde 2019 atua como editora assistente nas revistas: Logeion IBICT e na Revista P2P Inovação IBICT. É bibliotecária na Coordenadoria Regional de Educação, do Estado de Santa Catarina. E-mail: E-mail: julianafachin@gmail.com
Priscila Sena é doutora e mestra em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (PGCIN/UFSC). Bibliotecária pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). É pesquisadora no Instituto Brasileira de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Diretora de Formação Política e Profissional na Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições (FEBAB). Professora Substituta no Departamento de Ciência da Informação (DCI/UFSCar).
E-mail: priscilasena@ibict.br/ priscilasena.pesquisa@gmail.com/.
Lúcia da Silveira é doutoranda pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bibliotecária do Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro da Revista Motrivivência. Estuda Comunicação científica, Acesso aberto, Ciência Aberta, Periódico científico, Portal de periódicos institucional e Serviço de editoração para periódicos em bibliotecas universitárias.
E-mail: luciadasilveiras@gmail.com
Dalgiza Andrade Oliveira é professora Associada da Escola de Ciência da Informação (ECI)/Programa de Pós-Graduação em Gestão da Organização e do Conhecimento (PPGGOC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da UFMG (2011). Mestre em Ciência da Informação (PPGCI/UFMG-2005). Bacharel em Biblioteconomia (Escola de Biblioteconomia - UFMG-1991).
E-mail: dalgizamg@gmail.com
Como citar
RIBEIRO, N. C. et al. Aqueles que anunciam a boa nova: afinal, o que é ser Evangelista da Ciência Aberta?. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 3, n. 3, 20 abr. 2022.
ou
RIBEIRO, N. C.; FACHIN, J.; SENA, P.; SILVEIRA, L. da; OLIVEIRA, D. A. Aqueles que anunciam a boa nova: afinal, o que é ser Evangelista da Ciência Aberta?. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 3, n. 3, 20 abr. 2022.
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